Thiago José Aguiar da Silva*
Desde o seu 12º Congresso, o Partido Comunista se propõe a ser um partido de massas, conduzido por quadros dirigentes. Com uma trajetória marcada por mais tempo na ilegalidade do que na legalidade, esse desafio de ampliar o partido é uma iniciativa para se desvencilhar de alguns traços da clandestinidade. Essa conjuntura forçava uma organização mais restrita, para poucos, no qual os quadros eram escolhidos e selecionados cuidadosamente. A atual realidade é outra e proporciona uma atuação mais livre e massiva.
Ao mesmo tempo, a legalidade proporcionou também a luta institucional. A disputa de eleições, participar de governos e mandatos. Nesse aspecto, sintetizou-se três frentes de luta política partidária: a luta de massas, a luta de ideais e a luta institucional. Esses seriam os três vetores de organização partidária.
Todavia, dessas três vertentes, a luta eleitoral acaba por ganhar mais espaços na discussão partidária e agindo como um vetor de ação. Organiza-se, portanto, o Partido a partir da perspectiva da tática eleitoral e dessa disputa político-institucional. A institucionalidade, a responsabilidade que temos na atuação no Congresso Nacional, em espaços em governos e em outras instâncias acaba por nos por esse ônus político-organizativo. Ônus porque nosso sistema eleitoral é viciado, personalista e (obviamente) privilegia o poder econômico. Para participar dessa disputa, primeiramente, é necessário aceitar essas regras e se sujeitar a uma possível “contaminação”. Logo, ao aderir a esse sistema, dois dilemas são impostos aos comunistas: ou constranger-se a escolher um programa radical minoritário, que nos transformaria numa seita, ou aderir a acordos eleitorais dos quais proporcionam um pesado fardo a ser suportado pelo coletivo partidário.
Essa constatação é feita a partir de uma leitura de que a democracia liberal é insuficiente, na qual os interesses assegurados por ela não são os das classes populares, mas sim do 1% que detém a riqueza. Na realidade brasileira, isso significa uma democracia para os banqueiros, latifundiários e grandes empresários. Aos mais pobres, essa democracia se traduz diariamente em uma vida sufocante, com serviços públicos sucateados, baixos salários e um autoritarismo das forças policiais que assassina jovens e humilha trabalhadores(as). Esse sistema eleitoral ratifica essa realidade uma vez que, quando observamos em episódios recentes, quando há a possibilidade mínima de mudanças estruturais logo agem mecanismo “legais” para liquidar qualquer avanço. Como foi no golpe em Dilma e na prisão de Lula.
Antes que alguns possam aduzir, é sabido que Lênin em “Esquerdismo, (...)” já pontuou a importância dos comunistas em participar do parlamento e dos sindicatos oficiais. A importância da institucionalidade não é negada à estratégia dos comunistas pelo mundo em realizar o seu processo revolucionário. Participar desses espaços é um importante mecanismo para a acumulação de forças, para mudanças qualitativas e, de fato, as eleições são uma oportunidade onde a política está na agenda do povo. O ponto que pretendo lançar ao debate é como isso se traduz em nosso caráter organizativo. Em nenhum momento pretendo sugerir a negação desses espaços ou o seu boicote. O objeto do presente ensaio a essa tribuna é como realizar essa disputa eleitoral..
Isto porque, em geral, há um enorme desejo em ter sucesso eleitoral. Ter bons resultados nas eleições elegendo vereadores, prefeitos e etc. A questão é que tenta-se realizar isso a partir do final, como se a eleição fosse um fim em si mesmo. Para ilustrar é como se nos processos eleitorais tentássemos construir um edifício pela cobertura, pelo seu último andar. Não é preciso ser engenheiro para saber que um prédio se constrói a partir de fundações, alicerces que irão suportar esse edifício. Só depois se constrói o térreo, para depois construir o primeiro piso e assim sucessivamente. Nas batalhas eleitorais devemos seguir o mesmo raciocínio. Primeiro devemos elencar um projeto político, ter uma base orgânica para servir de alicerce a esse projeto e a possível eleição de liderança comunista ser um reflexo natural desse trabalho cotidiano. Nesse aspecto, enquanto representante de uma categoria, a camarada Rejane é um excelente exemplo disso.
Assim, a nossa preocupação em não ter um vereador na capital não deveria se resumir em não ter tido nas últimas eleições um candidato suficiente para reunir o número de votos necessários. Mas sim o fato de não termos trabalhos orgânicos suficientes que possam traduzir a sua militância cotidiana em votos nas eleições. Uma atuação de massas que seja capaz de refletir numa representação na Câmara. Desse modo, a luta eleitoral deve ser um reflexo da nossa luta de massas, pois aquela é fruto e consequência de nossas ações políticas cotidianas.
Caso contrário, ficaremos reféns de personagens políticos que utilizarão a legenda partidária para se eleger, a partir da equação eleitoral, mas sem o compromisso com o nosso programa ou com a direção partidária. Ou ainda, caso os representantes caiam na vaidade do jogo eleitoral, ao se seduzirem por si mesmos e assim não terem compromissos com a base que o elegeu, ter a possibilidade de serem substituídos por outras lideranças nas próximas eleições. Pois, quando se é reflexo de um projeto político, de um trabalho de base cotidiano, o que está em jogo não é um projeto personalíssimo, mas sim um projeto político coletivo na qual esse candidato é síntese dessa ideia.
A construção de um partido de massas é o nosso desafio presente. Isso só será possível a partir de um incansável trabalho de base, sem dogmatismos, utilizando-se das ferramentas teóricas da tradição marxista em encontrar na realidade concreta as respostas necessárias para avançarmos. Um partido de massas não é um partido com muitos deputados(as). Essa não pode ser a régua do nosso sucesso. Um partido forte e massivo é aquele capaz
de mobilizar amplas parcelas da população e organizá-las para promover as transformações necessárias para melhorar a vida do povo. Para isso, a reunião dos organismos de bases devem ir muito além da mera formalidade de eleição de delegados para o processo de conferência interno. Para um Partido vivo, é necessário ações cotidianas nas áreas de atuação, moradia e trabalho, enfim, ter vínculo com o povo.
* Thiago José Aguiar da Silva é advogado e militante do PCdoB
Comentários