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A Condição Exemplar do Rio de Janeiro

Por Máxio Masson*



O governo do Rio de Janeiro ocupa posição estratégica no campo político nacional. Isto decorre, em especial, do fato do município ser polo - mesmo que menor - do principal eixo econômico do país e integrar o espaço de maior desenvolvimento econômico de nossa história. Por consequência, a cidade reproduz em escala elevada as contradições do capitalismo brasileiro, sobretudo, mais recentemente, o subemprego ou o desemprego.

A tendência à desindustrialização, presente desde os anos 1990 - não revertida plenamente pelos governos de centro-esquerda - se reproduz em chave maior no Rio, provocando ampliação de problema histórico não só da cidade como da área metropolitana circundante: a informalidade.


Não nos esqueçamos que por décadas o crime de vadiagem foi mote predominante para a repressão policial da população adulta pobre, que em grande parte vivia de expedientes lícitos ou ilícitos. A tradicional elegia da malandragem carioca, menos do que contraponto ao modo burguês de viver, bem mais mascarava – e assim continua - a histórica escassez de meios de sobrevivência disponíveis às classes populares. Meios que proporcionassem a essas classes alternativas à reprodução da pauperização e, por vezes, alguma mobilidade social.


Em cenário resultante de décadas de governança neoliberal (o último prefeito não adepto do ideário neoliberal foi Saturnino Braga, em meados dos anos 1980), a ausência de qualquer tipo de proposição em que a ação do Estado fosse algo além de pontuais renúncias fiscais tornou o Rio de Janeiro verdadeira capital da informalidade e da evasão das atividades formais de maior significado econômico.


Situação agravada quando o cenário econômico mundial deixou de ser elemento maior de impulsão econômica, o ataque imperialista - via ações do judiciário - às estatais brasileiras e empresas a elas vinculadas se consumou e a reprodução in extremis da condição periférica e associada do país se tornou objetivo prioritário do grupo protofascista no poder.


Tal objetivo decorre da condição lumpen desse grupo, que se assemelha, em âmbito nacional, a outros regionais como, no Rio de Janeiro, ao de Witzel e, sob forma menos belicosa, ao de Crivella e suas empresas de serviços religiosos terapêuticos. Esses grupos não são casos restritamente brasileiros como confirma a emergência de inúmeros bolsonarinhos que pululam nas sociedades sul-americanas. O caráter somente aparentemente contraditório desses grupos protofascista não nos é possível discutir aqui por motivos de espaço.


Tendo na lembrança as observações de antigo marxista (Gunder Frank), bastante conhecido nos anos 1970 e mesmo 1980, mas que com as vagas pós-modernas foi lançado à sombra por nossas editoras, bem como de Marx assinalando em o 18 do Brumário o papel político do lumpenproletariado francês, podemos considerar que hoje nos deparamos com a presença tanto de uma média burguesia como de uma pequena burguesia lumpens, pouco afeitas à atividades diretamente produtivas, pois essas exigem, além de recursos econômicos, maior planejamento de ações e não proporcionam pronta acumulação significativa de capital, sobretudo em cenários econômicos de menor dinamismo, a exemplo, na atualidade, do brasileiro e, regionalmente, do carioca.

Como para esses segmentos lumpen a lucratividade deve ser obrigatoriamente imediata, toda regulação pelo Estado, principalmente de ações de ordem econômica, é indesejável. Tudo é passível de ser mercantilizado de modo “selvagem”, tornando tênues as fronteiras entre o lícito e o ilícito, contribuindo para a reprodução de atividades (comércio de drogas, armas, cargas roubadas, áreas urbanas) que por sua própria existência se contrapõem à presença e crescimento de outras, alimentando a estagnação econômica, dadas as situações de insegurança coletiva que proporcionam.


O somatório de recessão, desregulação e informalidade econômica constroem situação que aos olhos do senso comum é caótica. Expressão de “atávica condição de incapacidade” e, portanto, de inferioridade da população. E uma das principais condições para um povo ser dominado vem a ser a descrença em si mesmo. Ter sentimento de subalternidade frente seus dominadores, mesmo quando não tem a consciência de ser dominado.


O efeito político dessa sensação de caos, apropriada e politicamente trabalhada pelas forças políticas conservadoras, é o “desejo de ordem”. Este, de modo concomitante ou não, se manifesta no elogio do autoritarismo, da violência (policial) do Estado e no exercício da autodisciplina a partir de visões religiosas fundamentalistas. Essas, defensoras de todo tipo de irracionalismo, alimentam as inúmeras empresas de serviços terapêuticos religiosos e, por consequência, seus representantes nas casas legislativas.

Em face a esse cenário, e tendo em mente que o desemprego nas sociedades capitalistas é geralmente percebido como decorrente de uma falha individual e não resultado de relações sociais que excedem ao poder do indivíduo, o papel indutor de desenvolvimento econômico e ampliação de oferta de trabalho não degradado (informal) do poder municipal precisa ser elemento central de todas as nossas candidaturas ao legislativo e muito especialmente à chefia do poder executivo municipal. O trabalho é uma questão política. Isto precisa ser percebido pela maioria da população nessa conjuntura em que a grande maioria vê a política como algo abjeto.


Intensamente reproduzida pela mídia, a sensação do “caos carioca”, manifesta na inconclusão de obras, na insegurança, na naturalização da pobreza, na qualidade discutível dos serviços públicos possibilita aos conservadores salientar que o papel do poder público municipal é do ser mero “ordenador” da cidade e não impulsionador de seu desenvolvimento.


É preciso contestar visões que “naturalizam” o caos e as desigualdades sociais. Só o desenvolvimento pode superar ou, pelo menos, minimizar desigualdades sociais mais graves, responsáveis maiores pelo “caos urbano”. Isto exige elevado esforço de construção de processo de hegemonia política de longo curso. Nesse se inserem as eleições de 2020. Nos debates a elas pertinentes é preciso reafirmar o desenvolvimento como elemento estratégico para uma vida urbana de maior qualidade, especialmente para a maioria, superando perspectivas que sobrepõem particularismos à luta por interesses de maior amplitude das classes subalternas.


*Máximo Masson é professor da UFRJ e membro do organismo de base do Fundão/UFRJ, no Rio de Janeiro (capital).

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